sexta-feira, 21 de junho de 2013

Antropologia Jurídica

Na perspectiva da cultura ou da evolução humana, antropologia é uma ciência que se interessa por ideias, valores, símbolos, normas, costumes, crenças, invenções ambiente etc., e, portanto, encontra-se associada a outras ciências (direito, sociologia, política, história, geografia, linguística). Em razão disso, motivo pelo qual sua autonomia não é universalmente reconhecida, daí as disputas ou dificuldades em relação à determinação de seu objeto de estudo. Antropologia, em sentido etimológico, significa estudo do homem.

HENRY LEWIS MORGAN foi o primeiro antropólogo a elaborar um modelo de desenvolvimento da humanidade.

FRANZ BOAS contestou o evolucionismo e fundou a escola difusionista e muitos o consideram o fundador da Antropologia contemporânea.

MALINOWSKI também contestou o evolucionismo através da corrente funcionalista sistemática. Além disso, foi o primeiro a realizar o trabalho de campo através da observação participante, ou seja, tendo contato direto com o seu “objeto” de estudo.

A Antropologia Jurídica surge no final do século XIX, especialmente após o início da colonização da África e da Ásia pelos europeus. Em 1926 MALINOWSKI publicou “Crime e Costume na Sociedade Selvagem”.

Os aspectos antropológicos podem ser percebidos no Brasil por sua extensão territorial e por sua multiplicidade cultural. Quanto à nossa extensão territorial, interessante evidenciar as observações de Darcy Ribeiro, para quem:

“Esse é, sem dúvida, o único mérito indiscutível das velhas classes dirigentes brasileiras. Comparando o bloco unitário resultante da América portuguesa com o mosaico de quadros nacionais diversos a que deu lugar a América hispânica, pode se avaliar a extraordinária importância desse feito.”  

Natureza, cultura e comportamento: Ao estudar a natureza e a cultura, percebe-se que há diferença entre elas. A natureza compreende o conjunto de características física e mentais dos seres humanos. A cultura engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos em sociedade. A natureza não impõe normas, atua espontaneamente. A cultura, ao contrário, impõe regras sobre o que for necessário. Ela se sobrepõe à natureza

Evolução Humana: O estudo da evolução humana é um dos objetivos da Antropologia Física. Os documentos mais antigos da história primitiva do homem remontam há cerca de 70 milhões de anos. É no período de 2 milhões de anos a 10 mil anos que ocorrem as principais alterações da evolução humana

Cultura: Engloba os modos comuns e aprendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos, em sociedade. De modo geral, a cultura se constitui dos seguintes elementos: conhecimento, crenças, valores, normas e símbolos. Segundo Edward B. Taylor “Cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem com membro da sociedade.”

Etinocentrismo: Supervalorização da própria cultura em detrimento das demais. Uma característica comum dos povos consiste em repudiar as formas culturais (jurídicas, morais, religiosas, sociais, estéticas) com as quais não se identificam. Isso se traduz em uma repulsa diante das maneiras de viver, crer ou pensar que lhe são estranhas.

Para os gregos e romanos tudo que não participava de sua cultura era catalogado como bárbaro. A civilização europeia utilizou o termo selvagem com o mesmo sentido. Os termos selvagem e bárbaro evocam um genro de vida animal, por oposição à cultura humana.

A teoria DIFUSIONISTA preocupa-se em compreender os processos de transmissão de uma cultura para as outras. O tipo mais significativo de difusão é o das relações pacíficas entre os povos, numa troca contínua de pensamentos e invenções.

Roma foi, sem dúvida, o grande centro difusor de cultura jurídica na Antiguidade. Mesmo após o desaparecimento do Império Romano, o direito romano continuou a ser objeto de estudo a partir do século XI com os glosadores e depois se alastrou por toda a Europa. Nessa trilha, o direito romano acabou influenciando toda a construção do edifício jurídico da modernidade, ou seja, a cultura jurídica moderna, principalmente com o renascimento da atividade comercial e o advento dos grandes Estados nacionais, constitui-se com base no direito romano.

O costume é inerente a todos e a cada uma das instituições. Há costumes familiares, religiosos, econômicos e políticos. Exemplo: proibição de casamento entre pessoas de diferentes credos, etnias etc.
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Aculturação: Aculturação é a fusão de duas culturas diferentes que entrando em contato contínuo, originam 
mudanças nos padrões da cultura de ambos os grupos.

Normas: São regras que indicam os modos de agir dos indivíduos em determinadas situações. Consistem, pois em um conjunto de ideias, de convenções referentes àquilo que é próprio do pensar, sentir e agir em dadas situações

Organização econômica: A organização econômica refere-se ao modo como os indivíduos conseguem, utilizam e administram seus bens e recursos. Faz parte da organização social e encontra-se em todas as sociedades, mesmo entre as mais simples.

Antropologia e Direito: Conexões do direito com a antropologia são evidentes, visto que o ser humano constitui objeto central dessas duas áreas do conhecimento, motivo pelo qual temas como igualdade e diferença são, ao mesmo tempo, jurídicos e antropológicos. Além disso, o direito constitui um dos aspectos da cultura, e esta constitui objeto específico da antropologia cultural. A Antropologia, tal como o direito, também se interessas pelos conflitos sociais, principalmente no que diz respeito à intervenção normativa na decisão jurídica desses conflitos, bem como desdobramento da ordem jurídica e diante das transformações culturais, sociais e políticas e econômicas.

Evolução Jurídica: Método de interpretação denominado método histórico-evolutivo é o método de interpretação da lei que faz com que o sentido da mesma se altere com as necessidades sociais do momento. Isso deve ser assim porque, se as relações sociais evoluem e as leis se mantêm estáticas, o direito perde a força e, em vez de promover o bem social, passa a criar problemas cuja consequência são as de atravancar o progresso. Três fatores podem ser destacados na evolução do direito: econômicos, políticos e culturais.

Positivismo Jurídico: Ao longo do século XX predominou nas Faculdades de Direito o modelo teórico denominado positivismo jurídico, motivo pelo qual o ensino jurídico tem negligenciado as contribuições da antropologia e de outras áreas do conhecimento.
Hans Kelsen é o teórico que eleva o positivismo jurídico ao seu patamar mais alto. Em 1934 publica a Teoria pura do Direito, na qual retoma as teses do positivismo jurídico do século XIX. Nessa obra elege a autonomia da ciência jurídica como problema fundamental da sua tese e confere-lhe método e objeto próprios, capazes de assegurar ao jurista o conhecimento científico do direito.

Dogmática e Zetética: Por influência do positivismo jurídico a ciência jurídica configurou-se como saber dogmático. É óbvio que o estudo do direito não se reduz a esse saber. Assim, embora o jurista seja um especialista em questões dogmáticas, é também, em certa medida, um especialista em questões zetéticas; visto que, diante da alta complexidade que o mundo contemporâneo imprime aos problemas jurídicos, muitas vezes, é preciso abordar e enquadrar o tema, não apenas nos seus aspectos jurídicos, mas também nos seus aspectos antropológicos, econômicos, sociológicos, políticos, filosóficos, éticos, históricos e etc.

Costumes e leis: A diferença entre costume e lei não quer dizer que esta seja obrigatória e o costume não. O costume pode ter conotações de “dever ser” tão forte quanto as normas legais. Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, lei é "a ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente reconhecida, é imposta coativamente à obediência geral". 

Cidadania: Cidadania significa o conjunto de direitos e deveres pelo qual o cidadão, o indivíduo está sujeito no seu relacionamento com a sociedade em que vive. O termo cidadania vem do latim, “civitas” que quer dizer cidade.
 A Antropologia Jurídica nasceu na Alemanha, Grã-Bretanha, França e Estados Unidos, no final do século XIX. Segundo Norbert Rouland, antropólogo francês contemporâneo, a Antropologia Jurídica estuda as lógicas que comandam os “processos de juridicização” próprios de cada sociedade, através da análise de discursos (orais e/ou escritos), práticas e/ou representações. “Processos de juridicização” envolvem a importância que cada sociedade atribui ao direito no conjunto da regulação social, qualificando (ou desqualificando), como jurídicas, regras e comportamentos já incluídos em outros sistemas de controle social, tais como a moral e a religião.

A Antropologia Jurídica é uma disciplina indispensável aos operadores do Direito. Ela é importante para a formação e atuação dos operadores do direito porque vivemos, no Ocidente, neste início de século XXI, o questionamento do papel do Estado (talvez o maior “mito jurídico moderno”). Estamos revisando os princípios da Revolução Francesa que, dentre inúmeras mudanças, instaurou a negação do mundo sobrenatural e passou a opor indivíduos a grupos; leis a pluralismo; direito positivo a direitos costumeiros. A Antropologia Jurídica mostra que costumes, mais que leis positivas, animam as relações sociais. O ser humano busca sentidos para a sua existência e isso se dá através das dimensões do sensível e do invisível, as quais são contempladas, no campo científico, primordialmente pela Antropologia, Filosofia e Psicologia. Um Direito que realmente privilegie a compreensão do ser humano precisa dialogar com essas áreas.

As tendências da Antropologia Jurídica atual são basicamente cinco: 

Estudar a sequência dos conflitos, mais do que eles próprios, bem como as razões pelas quais as normas são ou não aplicadas, mais do que elas próprias;

Considerar o indivíduo um ator do pluralismo jurídico, relacionado a vários grupos sociais e a múltiplos sistemas agenciados por relações de colaboração, coexistência, competição ou negação; A produção da Antropologia Jurídica continua alicerçada em países ocidentais    industrializados de língua inglesa (estima-se que Estados Unidos e Canadá agrupem mais da metade de todos os atuais antropólogos do Direito);

No dito “Terceiro Mundo” pouco se ensina Antropologia Jurídica por razões de ordem ideológica, pois a maioria dos Estados adota concepções unitárias de direito legadas por ex-colonizadores. No Brasil há poucos profissionais e inexiste uma associação que os agrupe; Um dos mais agitados debates refere-se à universalidade dos direitos humanos e a seus limites.

O mercado de trabalho atual para o Antropólogo do Direito

No campo acadêmico, temas relacionados a direitos humanos, direitos de “minorias”, administração da justiça e sistema de justiça criminal vêm estimulando cada vez mais pesquisadores. Também se discute a inclusão da disciplina Antropologia Jurídica na grade curricular de cursos de graduação em Direito. No campo da elaboração e gestão de políticas públicas de segurança e justiça já há antropólogos atuando e têm ocorrido concursos públicos para que esses profissionais componham quadros nos quais atuem junto com promotores públicos, secretários de segurança etc. Enfim, uma sensibilidade maior para com problemas culturais vêm criando uma demanda crescente por antropólogos do direito.

O despertar para a diversidade e a alteridade e o reconhecimento jurídico do pensamento antropológico proporcionam ao Direito a percepção da imensa amplitude e riqueza que o torna tão especial.

Nesse pensamento, enfim, procurar-se-á demonstrar a importância da reflexão jurídico-antropológica. Abordar-se-á, de modo sumário, a Antropologia para, então, iniciar-se na compreensão dessas reflexões por sobre o jurídico.

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Olney Queiroz, KUMPEL, Vitor Frederico. Manual de Antropologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011.

MARCONI, Marina de Andrade. Antropologia: uma introdução / Marina de Andrade Marconi, Zelia Maria 

Neves Pressotto – 7ª ed. – 4ª. Reimpr. – São Paulo, Atlas, 2011.

ROCHA, José Manuel de Sacadura. Antropologia Jurídica: para uma filosofia antropológica do Direito.

SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia Jurídica. São Paulo: Editora Saraiva, 1987.

Schritzmeyer, Ana Lúcia Pastore – “Antropologia Jurídica” In Jornal Carta Forense, ano III, nº 21, fevereiro de 2005, pg. 24 e 25 

0 comentários:

Postar um comentário